terça-feira, 26 de maio de 2015

O TEMPO DOS SELFIES (por Rosiska Darcy de Oliveira)

País vive eterno presente, em que os fatos e as fotos se sucedem sem contexto e sem enredo. Tudo se esgota no escândalo do dia
Reprodução de texto publicado em O Globo (23/05/2015).

O autorretrato foi para os mestres da pintura que viveram antes do advento da fotografia a maneira de revelar não só o mundo que viam e como o viam em cores e formas, mas o lugar íntimo de onde viam, a densidade de seu olhar.

Obras-primas nasceram do pincel de um Rembrandt ou de um Van Gogh, que legaram ao futuro seus rostos em várias idades, impregnados de suas angústias.

O autorretrato foi sempre um momento maior na carreira de um artista. Buscavam a imortalidade na grande arte e a grande arte no autorretrato. Tinham a dimensão da História.

Hoje, o autorretrato é o exercício preferido de qualquer anônimo que estenda o braço com o celular na mão e lá vem mais um selfie. Um exercício lúdico e narcísico, cujo destino é ser deletado ou, com sorte, fazer um imprevisível caminho na Rede. Uma ou algumas caras, talvez caretas, sem contexto, sem profundidade, imagens deixadas ao efeito de luzes e sombras eventuais.

O selfie não quer fixar nada, senão uma informação fugaz sobre o momento vivido e compartilhá-la com o maior número de pessoas. Não sei se é um brinquedo inofensivo ou metáfora do tempo presente, em que a instantaneidade, a quantidade e o descompromisso com a qualidade são a regra.

Vivemos um tempo sem memória, que tudo registra para logo tudo esquecer. Um eterno presente que capta a instantaneidade do fato e se alimenta da velocidade da informação. Sem passado, que não se cristaliza, diluído em uma renovação permanente de notícias, nem futuro que, sem tempo para amadurecer, é uma ausência.O momento seguinte não tem tempo nem razão para amadurecer.

Marc Zuckerberg, perguntado sobre o objetivo do Facebook, respondeu: “Conectar-se”. Para quê? “Para conectar-se”.

O cotidiano vivido cada vez por mais pessoas e por mais tempo entre as telas do celular e do computador vai moldando uma percepção do mundo que é tão alheia ao mundo pré-virtual quanto um autorretrato de artista a um selfie.

O snapchat, que envia uma foto que dura segundos e se auto deleta, é a última flor dessa língua cada vez menos compreensível para a geração do portarretrato.

A intensa vida virtual atualiza palavras como presencial, um adjetivo que hoje qualifica a natureza excepcional de um encontro entre gente de carne e osso. Manifestações de rua são presenciais. As outras são simplesmente o dia a dia de quem vive no mundo virtual, onde a opinião é produto do dilúvio de informações, muitas de origem aleatória ou autoria incerta.

A quantidade dessas informações, em que a qualidade não é um critério, quando mal digerida é tóxica. Essa é a face oculta de uma admirável democratização do direito de expressão.

Para o bem ou para o mal, a sociedade está mudando mais pela tecnologia do que pela política, desfigurada em partidos carcomidos pela corrupção. Transformados em ajuntamentos de interesses pessoais, sem valores, sem compromisso com o interesse público e sem visão de futuro, recolhem a aversão como sentimento comum à população.

A política desliza, então, para outras formas de expressão e, entre elas, está certamente o fervilhar de debates na comunicação virtual, com os prós e contras desse mundo e de sua incorpórea população.

O Brasil vive um momento de selfies. Um eterno presente em que os fatos e as fotos se sucedem sem contexto e sem enredo. Tudo se esgota no escândalo do dia, no toma lá dá cá, nos implantes de cabelo, na roubalheira da véspera, na amante do doleiro cantarolando Roberto Carlos na CPI, no ex-presidente que se expõe malhando, suando e dizendo banalidades sobre vida saudável.

Autoridades viram piadas corrosivas na rede, onde a derrisão é a regra. O falso revolucionário que antes cerrava o punho, hoje atravessa a tela com os pulsos algemados. Amanhã é o CEO engravatado da grande empresa que explica, com ar compenetrado, como dar propina. Delata-se. Deleta-se.

O Brasil entrou na era do desnudamento. Nas redes, tudo se sabe, se compartilha, se comenta. Pouco se interpreta. Menos ainda se entende. E amanhecemos em um presente sem futuro.

A cultura virtual está se tornando a Cultura. Há uma armadilha, que precisa ser desarmada, em sua relação com o tempo. Ela impõe uma vida acelerada que não pensa o amanhã.

Falar em dimensão histórica soará estranho a ouvidos jovens. Este texto é longo para quem se exprime em twitter e WhatsApp. Mas é preciso que eles saiam do eterno presente, conheçam o passado e assumam o compromisso com o futuro. Façam projetos ditados por valores. O país precisa deles para superar a esclerose. O futuro será o que eles fizerem.

Rosiska Darcy de Oliveira é escritora

domingo, 12 de abril de 2015

É hora de compartilharmos tempo!


Dentro de uma perspectiva apenas linear do tempo, é comum a representação gráfica em formato de pizza, ao analisarmos a distribuição do nosso tempo ao logo de um dia, uma semana ou qualquer outro período.  Acho que o exemplo abaixo ilustra bem este formato.

Mas será que num mundo cada vez mais interdependente, esta representação continua sendo suficiente?

Todos nós temos diferentes papéis na vida. Somos chefes, subordinados, profissionais, pais, filhos, esposos, namorados, fiéis, torcedores, vizinhos, colegas, afiliados, etc. Nós não somos divisíveis e estes papéis se entrelaçam, acontecem simultaneamente e nos demandam tempo.

A interdependência cresce no contato que mantemos com os outros, em cada um desses nossos papéis. “Para a maioria de nós, a maior parte do tempo é usado na comunicação ou interação com outras pessoas” e o número dessas interações só faz aumentar.

Quanto mais oportunidades de contato, reais e virtuais, no trabalho, em casa, e nos círculos de amizades, mais nos defrontamos com a diversidade de ideias, de experiências de vida, de etnias, de origens geográficas, de classes sociais. É um mosaico que torna tudo mais complexo. Não podemos desconsiderar a importância do outro, em nossas vidas.

Como seria então uma distribuição orgânica do nosso tempo interdependente, uma nova versão da “pizza do tempo ” acima?  Uma “pizza” que deixa de lado o egoísmo e nos motiva a conjugar melhor o verbo compartilhar, como resumido na figura abaixo:


Tempo de compartilhar força criativa e energia

É uma nova maneira de se encarar nossas atividades produtivas, nosso trabalho, com foco na inovação, no coletivo, na integração, na confiança mútua.

Tempo de compartilhar emoções

É a hora do amor, do prazer, do lúdico, da troca, da música, do afeto, da alegria, dos relacionamentos de verdade. É o contato com a família, amigos, diversão, auto expressão, redes sociais. É a volta à infância, ainda que por poucos instantes.

Tempo de compartilhar conhecimentos e valores

Se a característica mais importante do profissional – e eu me atreveria a dizer, dos seres humanos - nestes novos tempos, é sua capacidade de aprender, o tempo dedicado a compartilhar conhecimentos se reveste de particular importância.

Tempo de se cuidar

Aqui, a lista é ampla. Inclui os cuidados com o corpo e com a saúde, que não deixam de ser um pré-requisito para um bom desempenho em todas as demais facetas do nosso cotidiano; os cuidados com o nosso bem estar- o que comemos, o nosso conforto, as indulgências que proporcionamos a nós mesmos para nos sentirmos melhor); os cuidados com a mente/espírito – a conexão com o sagrado, a reflexão, a meditação, a transcendência. Muitas dessas atividades podem ser feitas compartilhando experiências com outras pessoas. Por que não?

Sendo uma perspectiva orgânica, estes tempos se interpenetram constantemente, nos conduzindo a um olhar diverso do habitual, em que a premissa é que estamos todos de fato interconectados, como nos ensina a física moderna. Não se trata de uma negação da nossa individualidade mas, sim, um olhar novo, mais generoso, que pode ser estimulante e criativo, nesta nova realidade de um mundo interconectado e interdependente.



quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Depoimento de uma leitora em pleno Sabático



Recebi hoje este gratificante depoimento de uma leitora do livro Tempo Orgânico. Nele, a gente constata a importância de uma Pausa nas nossas vidas, para refletir e para melhor desenhar o futuro. A Cecília se deu de presente um tempo sabático e está encontrando o seu caminho, com ajuda de diferentes olhares sobre ela mesma, sobre os outros, sobre tudo que a cerca e, principalmente, canalizando tudo isso para suas próprias descobertas e revelações. Fico MUITO feliz em estar fazendo parte deste processo.    

Caríssimo Alvaro,

Estou para te escrever há algum tempo, mas...o tempo de sentar e compartilhar só chegou agora.

Venho de uma trajetória intensa, de desafios, conquistas, oportunidades, generosidade... e muitos aprendizados. E foi esse "caldo de cultura" que me levou a um tempo sabático, de reflexão, apropriação e desenho de uma próxima trajetória.

Foi prazeroso, instigante e divertido passar pelas páginas do livro. Váááários trechos poderiam ter sido escritos POR mim, e em muuuuitos outros tive a sensação de que foram escritos PARA mim.

Agradeço tanto a você, o autor, quanto ao Paulo, o emissário, por me trazerem essas reflexões e indicações.

Não tenho dúvida de que é possível e....tudo leva a crer que o melhor caminho começa por mim.

Com carinho e gratidão,

Cecília

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

MAKING OF - ERA UMA VEZ UM LIVRO...


- Vô, conta uma história? 

Estirei-me no chão, ao lado da cama do Daniel, que já estava acomodado para dormir, e sugeri:

- Que tal hoje, pra variar, a gente inventar, juntos, uma história nova?

Seus olhinhos brilharam, enquanto girava na minha direção e se deitou apoiando o queixo com as duas mãos.

- De robô?!

Pronto, estava dada a partida! Daí pra frente, a coisa foi fluindo, cada um dando um pitaco, a trama caminhando naturalmente. Mais dois personagens se destacaram: um menino e seu avô.

Quando chegamos ao final do pequeno conto, foi Daniel quem propos:

- Vovô, porque não fazemos uns desenhos e publicamos um livro?

Disse um “Claro!!!” com a voz super animada, mesmo sabendo da “encrenca” em que estávamos nos metendo. Mas nem deu tempo para ponderar nada, pois sou logo convocado pelo Lucas, no quarto ao lado.

- Vô! Vem cá! Também quero ouvir o que acontece com o robô.

Dei um beijo de boa noite no Daniel e fui ao encontro do seu irmão.

Contar o enredo novamente, logo em seguida, fez com que ele se consolidasse na minha cabeça, facilitando muito o passo seguinte. Naquela mesma noite, peguei o notebook e fiz uma sinopse da trama, já com algumas anotações para transformá-la em texto.

No dia seguinte, quando Daniel chegou da escola percorri com ele aquele resumo, anotando com cuidado seus comentários e alguns ajustes. Estava, então, pronto para redigir a primeira versão completa da nossa criação conjunta.

Escrevi em português, que tinha sido, afinal, a língua original da ideia. Li o texto inicial para o Daniel, sempre registrando suas reações e contribuições.

O passo seguinte foi começar a trabalhar nas ilustrações. Daniel rascunhou algumas alternativas para a imagem do robô, que havia sido batizado como D8, combinando a inicial do nome do personagem Daniel (que coincidência!) com sua idade, 8 anos. Escolhemos a imagem que melhor pudesse ser construída com formas geométricas básicas. Rabisca pra lá, rabisca pra cá, e acabou saindo a forma do D8. Depois, fomos bolando a ilustração da capa e de cada um dos 5 capítulos.

Aí veio a fase do inglês. Adivinha como? Google Translate!  Sim! Não ficou muito legal, naturalmente, e aí Daniel deu uma boa colaboração. Ele –óbvio - domina muito mais o idioma do que eu.

Só sei é que, de repente, tínhamos tudo que precisávamos para ir ao site Create Space (da Amazon). Escolhemos o formato, fiz o upload do texto com as ilustrações, formatei a capa, consultando meu co-autor e aí demos o último click para encomendar duas provas impressas do livrinho.

Alguns poucos dias se passaram e o “D8 Robot” chegou. O misto de alegria e surpresa do Daniel quando viu o livro e o sorriso mágico que permaneceu em seu rosto enquanto o folheava com atenção, valeram cada segundo dedicado àquele projeto. Magia pura quando nos abraçamos, comemorando a vitória. Unforgettable!!!



PS: depois de uma rigorosa revisão do texto, feita pelo Professor Amadeu Marques, e de mais uma prova, o livro pode ser finalmente liberado para venda, na versão impressa e na versão Kindle.

Veja em http://zip.net/bcqL7L









quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

VALE A PENA DIALOGAR COM STAKEHOLDERS?


Quando penso nas atividades que mais me trouxeram realização profissional, não posso deixar de destacar minha responsabilidade pela coordenação do relacionamento com o COMMON – Europe, Grupo (independente) de Usuários IBM (sistemas de médio porte), durante a época em que atuei no Centro Internacional da empresa, em Milão.

Nessa função, em primeiro lugar, levantava os assuntos em que os clientes estavam manifestando maiores dúvidas e dificuldades no uso de hardware e software daquele tipo de sistema (que eram uma espécie de mainframes de pequeno porte). Em seguida, identificava, nas equipes dos laboratórios e centros de desenvolvimento da IBM em todo o mundo, quais eram os profissionais mais qualificados e capacitados em cada um daqueles assuntos. E organizava e promovia, a cada semestre, uma espécie de “Congresso”, com sessões plenárias (assuntos de interesse geral daquela comunidade de usuários) e, principalmente, uma agenda de sessões paralelas, sobre os tais temas que haviam sido levantados.

Nessas sessões, estavam finalmente, cara a cara (com a eventual ajuda de um mediador/facilitador), quem estava enfrentando problemas com seus equipamentos e programas, e os seus respectivos “inventores”. Eu atuava também como um dos mediadores dessas sessões técnicas, em geral aquelas em que se esperavam “conversas” mais “acaloradas”.

A atividade se fechava com a produção e divulgação de relatórios com os resultados das sessões, onde os compromissos de melhorias nos produtos eram assumidos por quem, de fato, poderia realiza-las. E fazia o acompanhamento do andamento desses compromissos, prestando contas ao Grupo.

Os resultados do processo eram extraordinários, tanto sob a ótica de satisfação da base de clientes, como, especialmente, pelo aprimoramento - e criação - de produtos, tudo orientado por quem os usava no dia-a-dia.

Hoje, muito se fala de “Stakeholders Engagement”. Quando comecei a me preparar para atuar como consultor em Gestão de Sustentabilidade Corporativa, este foi um dos temas que mais me mobilizaram. Desde os “velhos tempos” do COMMON, sei muito bem do valor que têm o diálogo aberto e o respeito a quem é afetado pelas atividades da empresa. E as minhas vivências mais recentes só fazem reforçar esta constatação.

Fonte da ilustração: http://www.humantific.com/brain-to-brain-communication/