segunda-feira, 25 de junho de 2012

Prefácio do livro Tempo Orgânico

    Por Ricardo Young 


Muito se fala sobre o Tempo.

Da poesia dos enamorados ao rigor do Deus Cronos, o Tempo permanece um mistério e encerra uma certeza: ele jamais volta, jamais retrocede, não perdoa. Na astrologia, simbolizado por Saturno representa o rigor, o compromisso, a responsabilidade... Diante do Tempo parece não haver vencedores. Até os mais corajosos se dobram e os bravos caem. Ele nos dá a dimensão exata de nossa humanidade, de nossa finitude.
No entanto o desafiamos. E ao tentarmos subjugá-lo, somos nós os subjugados por ele. Qual Prometeu e o fogo primevo, retornamos sempre ao subestimar o seu sentido e poder.
Nesse inicio do século XXI parecemos prematuramente tomados por uma nova síndrome: a síndrome do tempo (des)humano. O homem descolou-se do tempo cósmico, da pulsão da Natureza, do ritmo da vida, dos ciclos dos dias, das horas, do dia e da noite.
O Tempo, como ampulheta voraz, vai tomando de todos a energia vital e o equilíbrio psicológico. A ansiedade e o desconforto diante da vida, que parece sempre dever, vai nos transfigurando. Tornamo-nos seres estressados tentando o sucesso em uma vida que se assemelha mais ao arremedo daquilo que deveria ser.

Consultórios lotam, prontos-socorros são procurados e guias e atestados são expedidos em diagnósticos quase monocórdicos: estresse. Doença urbana dos aprendizes de feiticeiro que pensamos ser. Cremos que tudo podemos e controlamos até que as coisas saem do controle e, desesperados, não sabemos nos desfazer do feitiço que colocamos em marcha.

Sinais crescentes de desequilíbrios sistêmicos demonstram que nossa civilização está enferma. A civilização industrial, antropocêntrica e individualista que criamos está sendo desafiada pelos princípios da sustentabilidade e as consequências de nossos atos agregados estão colocando limites a esse padrão civilizatório.

Mas, ao mesmo tempo em que percebemos que alguma coisa anda errada, continuamos a "correr atrás". Pensamos que a medida de eficiência e perfeição está diretamente ligada a nossa capacidade de atender as demandas colocadas pelo chefe, pelos compromissos financeiros, pelas redes sociais, pela família. Enfim, ligada àquilo que é externo e nem sempre em harmonia com nossos desejos e necessidades. Gradativamente, sem perceber, nos tornamos escravos de uma concepção de tempo inventada por um sistema que não se sustenta.

E o "nosso" tempo pessoal, onde fica?

Todos aqueles que já experimentaram a meditação, que já fizeram retiros, se desconectaram por um período ou ficaram simplesmente em silêncio sabem quanto o tempo interno, o ritmo vital, o reencontro com o pulsar da Natureza pode ser regenerador para a alma.

Dirão alguns, "Tudo bem, mas quem pode se dar a este luxo?" E terão razão. Os luxos de nosso tempo são exatamente àqueles mais escassos: silêncio, espaço, água e ar limpos, tempo, alimentos saudáveis, saúde e ócio criativo. Mas ao contrário dos luxos tradicionais, que ao deles nos desapegar, encontramos uma contrição material, nestes sofremos a degradação da própria condição humana ao não tê-los. E pensar que os tínhamos em abundância...

Há que haver outras formas de lidar com este sofrimento agudo, típico de nossa época. Assim como a economia, a sociedade, a produção e o consumo estão sendo repensados, certamente nossa relação com o Tempo não pode ficar fora dos novos conceitos de Sociedade Sustentável.

Foi pensando nisto que Alvaro Esteves formulou, neste livro, um conceito bastante avançado e de grande utilidade. Trata-se do Tempo Orgânico. "Tempo orgânico é o cultivo consciente do agora, sem desperdícios, e sem os tóxicos da aceleração e da saturação, na construção de relações mais integradoras consigo mesmo, com os outros e com a natureza."
Não pense o leitor que esta definição é fruto de uma inspiração fortuita! Alvaro Esteves nos presenteia com uma digressão sobre o sentido do tempo através da história, das culturas, dos hábitos e na economia. Com o cuidado do artesão ele vai construindo uma tessitura tirando do lugar comum as infinitas definições e redefinições sobre o Tempo e suas mazelas. Ele compõe um novo mosaico a partir dos inúmeros fragmentos de uma análise competente sobre a evolução histórica e o sentido do Tempo em nossa civilização.

Aos poucos, ele se debruça nos novos conceitos que a sustentabilidade traz para o sentido da qualidade de vida, da relação com a Natureza, da mitigação da desigualdade e vai construindo um conceito de Tempo completamente articulado em três dimensões:

- aquilo que vem de dentro
- aquilo que nos conecta
- aquilo que está em sintonia com a Natureza

Essa definição orgânica de tempo é muito feliz, pois sintetiza a vida na sua expressão interior, na sua articulação com o meio e nos potenciais e limitações da condição natural. Será esta a concepção de Tempo que nossa cultura precisa assimilar para que nos libertemos desta síndrome?

O livro desenvolve essa tese. Não haverá liberdade se não houver integridade do ser. Liberdade de consumir, trabalhar ou acessar a internet são ilusões de liberdade, porque condicionadas. Há uma diferença brutal entre dispor e ser disposto por. Em nossa sociedade parecemos ter acesso e dispor de inúmeras facilidades que melhorariam nossas vidas. Mas no ciclo cotidiano o que acontece é o contrário. Corremos atrás. O tempo adicional que obtemos, devolvemos para a mesma ampulheta que, tal como um buraco negro, nos devora.

Há muitos livros sobre o Tempo. Todos tentando nos equipar com técnicas que tornem a nossa síndrome menos sociopata e esquizofrênica. Mas não conheço nenhum como O Tempo Orgânico, que procura fazer do aprendiz, o Mago. Àquele que evoca os poderes da Natureza não pelo exercício de sua iniciação ou pelo deslumbramento com o que pode despertar, mas pela consciência profunda do que significam estes poderes e como usá-los a seu favor, ciente de sua fragilidade. Mas também em simbiose com eles. Alvaro Esteves nos obriga a pausa e a reflexão profunda sobre o sentido e a qualidade de nossas vidas.

O Tempo Orgânico é um destes conceitos que nos ajudam a resgatar e nos reconciliar com o melhor da nossa condição humana. E mostra, dolorosamente, como a humanidade é permanentemente vitimada pela própria incapacidade de se perceber parte integrante de um processo muito maior.

Essa consciência, sim, permite a expressão plena da Vida.

Ricardo Young

Empresário, fundador e diretor da Casa Amarela, membro do Conselho de Administração da Amata S.A., do Conselho do Fundo Ethical do Banco Santander e outros Conselhos de Sustentabilidade em empresas como Fibria e Kimberly-Clark.

Foi Presidente da Associação Brasileira de Franquias e um dos fundadores do Instituto Ethos de Responsabilidade Social, que presidiu de 2005 a 2010, quando saiu para candidatar-se ao Senado.

Conferencista internacional nos temas da Gestão Sustentável, ética e liderança sistêmica.

Conselheiro e Militante da causa da sustentabilidade em diversas ONGs e na política, é um dos fundadores do Instituto Democracia e Sustentabilidade, juntamente com Marina Silva e Guilherme Leal.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

O FUTURO QUE QUEREMOS ESTÁ NAS MÃOS DOS INDIVÍDUOS

Na quarta feira passada, o Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, deu este brado de alerta, infelizmente tardio e sem consequências, aos/às chefes de Estado presentes na Rio+20. No seu discurso, lembra que "não podemos mais nos dar ao luxo de adiar decisões". Os críticos do documento final do evento, "O Futuro que queremos" questionam o processo de "delegação" que de certa forma os governos estão implicitamente fazendo, ao se omitirem,  às empresas e corporações, para "tocar" a propalada Economia Verde. 

Coincidentemente, nestas últimas semanas, tenho feita uma "limpa" em documentos aqui de casa e encontrei, nos meus "velhos" arquivos, pastas com recortes de jornais e revistas desde o finalzinho dos anos 90, quando comecei a me aproximar do tema da então "responsabilidade social empresarial". O que me chamou a atenção, ao rever as matérias (e a publicidade de certas empresas) é que o discurso corporativo não mudou muito, recheado de promessas e de ufanismo por suas realizações, ainda que por vezes modestas, se olhadas com mais atenção. Vejo hoje muito daquelas mesmas abordagens presentes em declarações e iniciativas de comunicação.

Não defendo aqui, de forma alguma, que avanços não tenham se dado, particularmente nesses últimos dez anos, na agora chamada sustentabilidade corporativa. Seja por ações espontâneas das empresas, seja como resposta a indutores de mercado (como o índice ISE do Bovespa), seja como reação às demandas das sociedade civil, muito tem sido feito.
A questão que se coloca aqui é justamente a de tempo. Porque os processos da iniciativa privada, em geral, têm maturação mais lenta e estão sujeitas a postergações em função dos resultados de curto prazo. As empresas, em geral, não têm pressa nessas questões, a não ser que algum fator externo defina prazos e limites: políticas públicas, por exemplo.
O senso de urgência, este parece muito mais à flor da pele justamente nas organizações da sociedade civil e em muitos movimentos populares que estão nascendo a cada dia. Ou seja, nos indivíduos que se organizam. Neles está depositada a esperança de alavancagem "imediata" de políticas públicas / marcos regulatórios e nas mudanças em ritmos bem mais velozes (nada menos do que 705 compromissos voluntários foram firmados durante a Rio+20, nas agendas não governamentais).

No livro "Tempo Orgânico", o foco é justamente no tempo das pessoas. Pessoas como eu e você, que "não têm tempo pra nada", mas sabem que precisam fazer alguma coisa, não só para tornar suas vidas melhores e menos estressadas, como para encontrar formas de contribuir para que o "Futuro que queremos" esteja cada vez mais mais abrangente e, principalmente, cada vez mais próximo.  
 
Ilustração: reprodução de parte da matéria publicada em 21/06/12, no caderno especial "Rio +20" do jornal O Globo, de autoria de Eliane Oliveira, Fernanda Gogoy e Liana Mel. Foto de Nacho Doce/Reuters. 



terça-feira, 19 de junho de 2012

Afinal, queremos ser Híbridos ou Sustentáveis?


Semana passada, enquanto os tambores da Rio+20 já começavam a bater mais fortes, recebi de meu amigo Carlos Gentil Vieira o link de uma sugestiva matéria da revista Slate. Ela tratava do surgimento de que seria uma civilização humana-tecnológica. O título da matéria dá as boas vindas àquilo que os autores denominam de “Era Híbrida”( Welcome to the Hybrid Age). E o texto fala das novas maravilhas cada dia mais perto do consumo massivo.

- lentes de contato “pixeladas” para acesso a bancos de dados que geram uma “realidade aumentada”.
- dispositivos de realidade virtual que levam a extremos de perfeição o que hoje já está disponível nos vídeo games domésticos
- implantes de memória que criam sensações como se fossem reais
- produtos usando a tecnologia do touch screen (haptic), só que para sensações físicas bem mais intensas do que operar um iPad, gerando o que denominam de “Lovotics”, a intersecção do Amor (Love) (filosofia, psicologia biologia neurociência) e Robótica (inteligência artificial e engenharia)
- imagens em 3D quase como o standard por toda a parte
 - avatares com dispositivos tipo Kinect com tecnologia foto-gramática, que cria replicas digitais animadas quase perfeitas de expressões faciais
- dispositivos tipo “LifeLogging,” (gravador portátil capaz de capturar praticamente tudo que fazemos e vemos) capazes de fazer um upload de todos estes dados para um cérebro portátil auxiliar ainda mais veloz que o cérebro humano).

E o artigo segue dando vários outros exemplos que justificam o tal “híbrido” humano- tecnológico.

Ao mesmo tempo, seres humanos de quase todas as geografias do mundo, reunidos no Rio esta semana, cheios das melhores intenções, têm enorme dificuldade para chegar a acordos sobre assuntos para os quais a urgência é reconhecida por todos eles. O que estamos constatando são impasses. Impasses sobre temas que ameaçam o futuro de todas as formas de vida deste Planeta – inclusive a nossa – e o presente de milhões de pessoas que não têm acesso a itens tão básicos como água potável, alimentação mínima, saneamento, saúde. Impasses cheios de desculpas e “boas razões”.

Fico aqui com meus botões - e touchscreens - pensando como e quando estes dois universos se encontrarão. Quando estes novos seres híbridos dedicarão tempo para usar seu arsenal tecnológico para “pensar” em soluções a curto prazo para tantos problemas e, muito especialmente , lançar mão de tantas informações para se porem de acordo sobre o que precisa ser feito sem outras desculpas e sem mais delongas?

Fonte:
http://www.slate.com/articles/technology/future_tense/2012/06/hybrid_reality_avatars_robotics_and_the_coming_human_technology_civilization_.html   (By Ayesha Khanna and Parag Khanna)

Quadro de George Braque ilustra a postagem 

segunda-feira, 11 de junho de 2012

PERSONAL O QUE?


Possivelmente, o primeiro serviço do tipo “personal “ de que eu tenha ouvido falar foi o professor particular: aquele contratado para dar aulas individuais a quem tinha dificuldades em alguma matéria na escola. Isso, é claro, foi MUITO antes de aparecer o personal trainer, de certa forma um precursor muito popular dos serviços pessoais que hoje estão surgindo em toda parte: personal stylist, personal chef, personal organizer, o passeador de cães, etc.

Em geral, a grande motivação para estes serviços terceirizados é a falta de tempo do contratante. Atoladas nos seus cotidianos, sempre sem “ tempo pra nada”, as pessoas acabam pedindo socorro a alguém e novas vocações e profissões são descobertas.

No livro The outsourced self (A terceirização do self), lançado nos Estados Unidos, a autora Arlie Russell Hochschild mostra a abrangência da transformação que esta ocorrendo na vida privada daquele pais, em direção a nichos de mercado cada vez diversificados. Com base em pesquisas e entrevistas tanto com os vendedores quanto compradores, Alie avalia que tudo que antes fazia parte da vida privada, especialmente no contexto das famílias – amor, amizade, cuidados com as crianças - está sendo transformado em especialidades que são empacotadas para serem vendidas a americanos um tanto atormentados.

Elas incluem desde os sofisticados serviços para se encontrar namorados(as) - onde a pessoa “é treinada para ser o CEO do seu próprio amor”(!) , a planejadores de casamento que criam a “narrativa pessoal“ dos noivos para construir a essência (do show) da cerimônia ; de “nomelogistas” (que ajudam você a dar o nome a seu filho), a especialistas em ajudar as crianças na fase de “tirar a fralda”; de “querologistas” (que assessoram a pessoa a saber melhor o que quer na hora da tomada de decisões importantes), a gente contratada para espalhar as cinzas do seu ente querido no oceano de sua preferencia, a autora nos revela um mundo em que os mais intuitivos e emocionais atos humanos estão se transformando em algo para ser contratado.

Há, inclusive exemplos que visam preencher carências emocionais que nascem da solidão de quem trabalha sem trégua , como o “Alugue um amigo” (para ir ao cinema, fazer compras, conversar ou o desconcertante Alugue uma avó (Rent a Grandma), em que uma senhora vai até sua casa para preparar um jantar com aquelas receitas de antigamente, contar historias do seu (dela) tempo e servir de interlocutor para quem tem nostalgia de reunir uma verdadeira família tradicional.

Com tantas ofertas se configurando, o perigo aqui é que o mesmo espirito consumista na compra de bens/produtos se replique na contratação de serviços pessoais.

Fonte da foto: wwp.greenwichmeantime.com

quinta-feira, 7 de junho de 2012

CACHOEIRA SABE USAR BEM O SEU TEMPO?


Ontem, um amigo aqui do blog me provocou com a pergunta que dá titulo a esta postagem.

Confessei a ele que este tipo de dúvida já havia me assaltado (!) antes. Carlinhos Cachoeira não é  o primeiro “gênio do mal” no Brasil que surpreende a todos nós com sua “produtividade”, sua enorme capacidade empreendedora e de realização de malfeitos. Há pouco mais de vinte anos, tive uma reação semelhante ao saber da extensão da rede de contatos e iniciativas criminosas do P.C. Farias nos bastidores do governo Collor.

A grande diferença entre os dois casos talvez seja a tecnologia. A equipe-bando do Cachoeira – e ele, pessoalmente – usa e abusa das ferramentas de comunicação e da tecnologia da informação para planejar e executar um “eficiente” esquema de delitos. Por outro lado, felizmente, também a tecnologia tem entrado em cena para registrar e documentar os detalhes e os envolvidos em muitos desses delitos. Os meios de comunicação diariamente nos tem revelado os tristes meandros dessas "operações".

Mas, respondendo à pergunta do amigo, uma coisa parece clara. Sob a ótica da administração do tempo tradicional, tanto os “P.C. Farias” quanto os “Cachoeiras” são pessoas que otimizam, sim, o uso do seu tempo e são capazes de lidar com muitas variáveis, situações e pessoas, buscando sempre “soluções” inovadoras para as demandas que lhe são colocadas por seus “parceiros de negócios”.

Dentro da ótica do Tempo Orgânico, entretanto, a resposta é muito diferente. Nele, a questão ética é básica, na integração das relações que a pessoa estabelece consigo mesmo, com os outros e com o ambiente que o cerca. O que estes criminosos fazem, no fundo, apesar da aparente eficiência das práticas, não tem qualquer objetivo ou consistência, além da ambição e da cobiça, não importam os meios. Não partem do reconhecimento de qualquer valor, as relações com os outros são pautadas apenas nos interesses pontuais e circunstanciais e as relações com a sociedade e o meio ambiente são simplesmente predadoras.

Se não bastasse isso, mais do que simples contraventores e criminosos, têm conspirado contra o uso do meu tempo, do seu tempo (como cidadãos que se interessam pela justiça) e do tempo das pessoas e instituições que têm se mobilizado e continuam se mobilizando para tentar (com)provar – ou cinicamente lutar para desmentir as evidências - esta rede de crimes que parece não ter fim.

Foto: www.worth1000.com