segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Não, uma palavra sagrada


Geraldo Ferreira, meu amigo e parceiro de muitos seminários de Administração de Tempo, é quem contava o caso (verídico) de um certo gerente que tinha um cartaz muito sugestivo, pendurado na parede atrás de sua mesa.

O peça tinha em destaque a palavra NÃO e um subtítulo: Palavra sagrada. Aí o texto explicativo: Aparece 12 vezes nos 10 mandamentos de Deus (Êxodo 20. 1 a 17).

Sempre que alguém entrava na sala, a primeira coisa que o tal gerente fazia era apontar para o cartaz, dando a priori o tom da conversa, caso fosse estar diante de algum pedido indesejado. Era um sujeito folclórico, sem duvida, mas fica dele uma lição interessante.

Um dos fatores de desperdício de tempo mais reconhecidos é nossa dificuldade de dizer NÃO. Ou melhor, a nossa dificuldade de saber dizer o NÃO. Costumo lembrar que a coisa mais importante, nesse caso, é termos a consciência de que sempre que dizemos NÃO a alguma coisa, estamos tacitamente dizendo SIM a outras prioridades que são mais relevantes para nossa vidas. E quanto mais claras e bem definidas forem estas prioridades, mas fácil será dizer NÃO a prioridades que outras pessoas estão querendo nos "impor".

Do cartaz, não precisamos, certamente, mas disciplina e atenção para lembrar os SIM por trás de nossos NÃO pode trazer bons frutos a uma rotina de vida "sem tempo pra nada".


  

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Entrevista à Atitude Sustentável sobre Tempo Orgânico





A entrevista abaixo foi dada à Gisele Eberspacher, da Revista Atitude Sustentável.

Atitude Sustentável: De maneira resumida, como o tempo se relaciona com a sustentabilidade?
Alvaro Esteves: O fato é que nos tornamos escravos de uma concepção de tempo que não se sustenta mais, e contribuímos, com nosso estilo de vida acelerado e nossa avidez por mais informações e mais opções de consumo, para impactar e ameaçar o ambiente natural e social onde vivemos.
Assim como a economia, a sociedade, a produção e o consumo estão sendo repensados, nossa relação com o Tempo não pode ficar fora dos novos conceitos de Sociedade Sustentável. E há muitas questões aí relacionadas com o tempo, como a simplicidade, novas maneiras compartilhadas de se lidar com a interdependência, e as lições dos ritmos e ciclos da natureza.
Atitude Sustentável: Quando e como esse tema começou a ser uma preocupação na sua vida?
Alvaro Esteves: Com o uso do tempo, a relação é antiga. Em 1993 comecei a conduzir cursos sobre gestão eficaz do tempo e logo em seguida escrevi o livro “Uma questão de tempo”, que tinha aquele foco. Desde 2003, com a criação da Ekobé, empresa de consultoria em sustentabilidade corporativa da qual sou sócio, vinha tendo a oportunidade de refletir sobre a correlação entre aspectos da temporalidade e as questões socioambientais com as quais lidava pessoal e profissionalmente. Há uns três anos, surgiu o conceito de Tempo Orgânico.

Atitude Sustentável: Como você vê que uma maior organização do tempo pode tornar nossas cidades mais sustentáveis?
Alvaro Esteves: Primeiro, há a perspectiva individual do tempo, ou seja qual a contribuição que cada um de nós pode dar para as questões básicas como energia, água, postura e prática de descarte/lixos . Que tempo dedicamos a cada uma desses aspectos e onde o tempo entra neles (um exemplo simples: tempo de um banho)? Há a importantíssima questão da mobilidade, em parte relacionada com algumas decisões nossas do tipo: como quero/posso me descolocar na cidade; quais os limites das negociações sobre trabalhar em casa (home office) ou trabalhar mais perto de casa? Ora economizando tempo, ora investindo tempo de maneira mais criativa, podemos sempre procurar reduzir os nossos impactos.
Depois, há uma perspectiva de como estamos sendo capazes de compartilhar nosso tempo, produtivo ou de lazer, com outras pessoas, incluindo aí o que dedicamos a aprender novas práticas ou debater/encaminhar novas propostas que devem ser transformadas em políticas públicas na área de sustentabilidade urbana.

Atitude Sustentável: De que maneira as pessoas podem melhorar a questão do tempo?
Alvaro Esteves: O que estamos propondo é uma reflexão profunda sobre como e porque estamos fazendo as coisas. A tecnologia nos torna mais eficientes em várias atividades, mas ao mesmo tempo nos traz expectativas exageradas. Achamos que podemos ter acesso a muito mais informações, coisas, desejos e pessoas do que somos capazes, gerando estresse e, paradoxalmente, ameaçando, ao mesmo tempo nossa eficácia e nosso sentido de realização. O Tempo Orgânico propõe novas relações do indivíduo consigo mesmo, com os outros e com a natureza, na forma de usar o tempo.

Ref: http://atitudesustentavel.uol.com.br/blog/2012/07/17/tempo-organico-e-sustentabilidade/

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

O Papalagui não tem tempo - observações de um nativo de Samoa sobre os "sem tempo"


Esse é o título de um dos capítulos do livro “O Papalagui”, publicado em 1920, pelo escritor alemão Erich Scheurmann. O autor vivera em Samoa durante a primeira guerra mundial e, segundo conta na introdução do livro, havia conquistado a confiança de Tuiávii – um chefe nativo local. Este lhe confiara os apontamentos que havia feito durante uma visita aos países da Europa, no fim do século anterior, e concordou com sua divulgação.

Papalagui é como Tuiávii denomina o homem branco europeu e nas suas observações, ora divertidas, ora severas – mas invariavelmente justas – fica claro o choque de duas culturas tão diversas. O olhar de Tuiavii é, ao mesmo tempo inocente e crítico. Vai fundo ao mostrar os conflitos que surgem quando o respeito à natureza e a simplicidade, que fazem parte da essência dos nativos, se defrontam com a ânsia pelo progresso e a maneira complicada de ver e de viver do homem branco.

“O Papalagui nunca está satisfeito com o tempo que tem... Nunca existe mais tempo do que aquele que vai do nascer ao por do sol e, no entanto, isto nunca é suficiente para o Papalagui”.


É nítida a crença de Tuiávii de que o tempo é cíclico. É algo que se renova a cada dia, o que ele entende como uma dádiva. Não é algo a priori escasso, como vê o Papalagui. Tuiávii não perde tempo pensando no tempo perdido ou no tempo a perder. Sabe que isso toma tempo e, principalmente, gera desgaste de energia e imobiliza.

“Certos Papalaguis dizem que nunca têm tempo: correm feito loucos de um lado para o outro com se estivessem possuídos pelo aitu (espírito malévolo)”.

O que diria Tuiávii se nos visse, hoje, 90 anos depois, aceleradíssimos, apertando botões e mais botões e parecendo que falamos sozinhos? E o que é pior: andando em círculos, pensando que estamos andando para a frente. Por vezes, tanto esforço para nada. Ou quase.

Acho que está na hora de reaprendermos a ver nosso tempo com olhos de um Tuiávii. Se o Papalagui não tem tempo é porque insiste em fatiá-lo e fragmentá-lo, sem perceber o seu todo.

(Condensado do livro "Tempo Orgânico").