Gosto de pensar que nossa espécie chegou até onde chegou não apenas porque os indivíduos foram cada um por si aprendendo e se desenvolvendo, mas sim por meio da cooperação, ainda que às vezes indireta e relativa.
Acho que nossa espécie, ao longo dos séculos, conseguiu não só aumentar sua capacidade de lidar com as adversidades, como foi capaz de transmitir os ensinamentos aprendidos às gerações seguintes. Esta tem sido a grande diferença.
Mal ou bem, foi o espírito coletivo que nos fez capazes de trocar informações ao mesmo tempo em que as acumulava, de forma a ser possível compartilha-las com outros indivíduos não apenas naquele momento, mas com futuras gerações.
Não falo aqui de heranças genéticas, nem do inconsciente coletivo de que nos falou Jung. Falo das interações dos indivíduos com outros indivíduos.
Falo, a propósito disso, dos bebês neotênicos, que fizeram parte, há 1 milhão de anos atrás, de uma mudança importante na evolução do homo erectus que nos antecedeu. Uma questão crítica, naquele momento, era lidar com a grande quantidade de alterações morfológicas que estavam ocorrendo com a espécie: caminhar sobre dois pés; oposição do polegar aos outros dedos; e a mandíbula diminuindo de tamanho, ao ser liberada pelas “mãos” da função de agarrar a presa, facilitando a emissão de sons e o aumento da capacidade craniana.
Com tantas “mudanças” os bebês tinham, então, a sua maturação como feto atrasada, nascendo “melhores” mas, por outro lado, relativamente incapazes de sobreviver, demandando cuidados intensivos por parte do grupo. Ou seja, a simples sobrevivência da espécie na sua evolução exigiu uma forte coesão da coletividade, uma socialização integradora, para que pudesse se dedicar aos infantes. Naquele mesmo período, a nascente – e crescente - facilidade de emitir sons articulados acabou levando ao surgimento da fala, talvez o acontecimento mais decisivo para nossa espécie.
Quando vejo um bebê nascer hoje, nas famílias da classe média em diante, ainda fico abismado com o cuidado que lhe é dedicado. Quantas e quantas horas de vigília, zelo, quantos cuidados com seu conforto, sua alimentação, sua saúde desde o útero, e enorme disponibilidade de recursos para desenvolvê-lo (em todos os sentidos), estimula-lo, educa-lo.
Além dos estímulos ao desenvolvimento do cérebro que estas novas interações permitiam, elas acabaram facilitando o aprimoramento das estruturas sociais, que ao logo dos séculos foram se aperfeiçoando, a ponto de gerar instituições capazes de acumular conhecimento e transmiti-lo. Esta acumulação, por sua vez, provocava e facilitava novas e mais sofisticadas interações.
Mais: esta memória continuamente acumulada pela cooperação entre as pessoas, tem permitido que a espécie humana consiga vislumbrar melhor o futuro e fazer planos em torno dele, seja como indivíduo, seja como agrupamento social.
Somos um coletivo relativamente bem sucedido, até aqui. Mesmo com todas as guerras, mesquinharias e destruições que retardaram muitos avanços. Resta saber é se teremos a competência, como coletividade, para lidar com as ameaças que hoje estão a nos desafiar, com desequilíbrios sócio ambientais gerados pelo “progresso”. Resta saber se finalmente conseguiremos (voltar a) ser mais justos uns com os outros e resgatarmos a nós mesmo como Humanos.
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